Depois de entregar a carta à ela, tapo os ouvidos para não ouvir possíveis réplicas. Já nos machucamos o suficiente. Vejo que aperta com força o envelope. Tão forte que os nós de seus dedos ficam brancos. Ela mantém os olhos verdes dentro dos meus, me tragando na mesma medida em que é intragável. Acho que espera que eu diga algo. Respiro fundo, mas permaneço calado. Ela se cansa e, dando de ombros, vai embora.

Sinto o castanho escorrer por meus olhos conforme vejo-a se afastar, levando consigo o pouco de vida que resta em meu corpo enfermo. Cada passo é uma lâmina cravada em meu peito. Cada centímetro andado é uma eterna tortura. Quero chamá-la, mas não o faço.

Engulo em seco as palavras não ditas, que ficaram para depois. Elas descem rasgando minha garganta como pequenos cacos, abrindo fissuras em minha alma, secando as poças de amor existentes em meu peito, transformando meu jardim em deserto.

Engraçado, continuamos nos ferindo mesmo em silêncio. Silêncio cruel, doloroso. Ensurdecedor. Silêncio talhado por nosso orgulho. Esse orgulho que é nossa hemorragia -e fazemos questão de sangrar. Sangue rubro, quente. Sangue de corações derrotados, que usam em vão o nome do amor. Amor de açúcar servido para diabéticos.

Observo o envelope cair alguns metros à frente. Ela não ousou abrir a carta. Eu não ousei quebrar o silêncio de concreto que erguemos entre nós dois.

Estamos quites.