Passa das três da madrugada e você ainda não chegou em casa. Tento fingir que está tudo bem, que isso não me machuca, que você só está atolado de coisas para fazer. Até consigo sorrir ao te imaginar trabalhando, com os olhos arregalados na frente do computador, digitando freneticamente, obstinado em terminar algum projeto novo. Esse pensamento me acalma um pouco.

São 04h18 quando te ouço abrir a porta de casa e jogar as chaves sobre a mesinha de centro, abrir a geladeira, encher um copo com alguma coisa, arrotar e subir para o quarto. Finjo estar dormindo. A luz do corredor acende e, de costas para a porta de nosso quarto, observo sua sombra se formar sobre mim. Você está parado na soleira, me analisando enquanto durmo. O cheiro de suor misturado com algum perfume -que não o seu- impregna o ambiente.

Já senti esse cheiro diversas outras vezes: naquele dia que você foi jogar futebol com seus amigos, naquela semana em que viajou a negócios, no dia que esqueceu da minha festa de aniversário e chegou bêbado, com um arranhão no pescoço; e sempre que questionei, te ouvi gritar comigo e dizer o quanto eu estava ficando paranoica. Passei a acreditar nisso. Acho que estou enlouquecendo. 

Sei que há outra em sua vida. Às vezes me pego pensando em como seria ser ela. Ser amada verdadeiramente por você. Não ser a mulher traída, mas aquela que ouve um eu te amo genuíno; não ser a que fica acordada te esperando chegar bêbado e com marcas, mas aquela que bebe contigo, que te leva pro banheiro do bar e transa sem pudor ali mesmo. Eu seria quem assiste a tudo do lado de fora; que te deseja em segredo; que espera você cansar da esposa e estar comigo; ser aquela mulher que te dá prazer ao invés de desprezo. 

Se eu estivesse no lugar dela, será que você me amaria como a ama?

Tenho pena de mim por me sentir assim. Às vezes nojo. Muita raiva. Um pouco de remorso. Mas não posso simplesmente ir embora. Sinto que não há nada para mim lá fora. Vinte e dois anos de casados nos trouxeram até aqui. Não tenho forças para começar de novo. Não tenho amigos, pois meus amigos são nossos amigos; não tenho dinheiro, pois não posso trabalhar para cuidar da casa, como me pediu; não há nada meu aqui. Nem mesmo o marido.

Não tenho certeza alguma em minha vida. Na verdade, tenho algumas: que você deitará na cama, mesmo fedendo à outra, e que sonhará com ela; que me confundirá com ela quando eu for te acordar de manhã, e irá corar, dizendo que lembrou do nome de uma das colegas de trabalho -e vou sorrir e dizer que tudo bem: -Esse tipo de engano acontece não, é?

Paro de divagar quando a cama range. Menos de quinze minutos depois e você já está dormindo. Entre roncos, ouço o nome dela -e mais uma vez minhas poucas certezas se concretizam.